domingo, 30 de novembro de 2025

Meada

 

Imagem Pixabay

A luz. 

Lá, sob a porta,

a perder-se de si 

e, ao fundo, 

a foto em preto e branco

a perder-se de nós


e desaproximam-se no vácuo

as formas da voz. 


E se movem.

 

Daqui eu vejo a imagem imprecisa.

 

O que vês, meu bem?

O que soa estranho?

 

Oh, Odete, que falta faz o que 

não se aprende na escola 


ou nas dobras da lama ou do limo

ou no avesso do instante 


Foi por isso que você voltou? 

Tomo o seu tempo? 


Não me deixe, 

por favor!

 

Tomar o meu tempo?

 

São poucas as linhas da meada


São urdiduras nas palavras medidas

no arcabouço ou no calabouço

a ferir-me desde dentro.

 

José Carlos Sant Anna,

28 de outubro de 2025


15 comentários:

  1. Olá, amigo José Carlos, gostei muito deste magnífico poema,
    uma amostra do poema moderno, escrito com maestria.
    Bravo, caro amigo José Carlos! Votos de uma excelente semana,
    com muita paz, saúde e felicidade.

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  2. Daqui eu vejo um exímio poeta a costurar a contraface do agora , das coisas que não são esperadas, mas se movem, maturam, demoram e o instante nega. E esse avesso a guardar os fios cruzados , as costuras ocultas e uma continuidade sem bordas. Não se aprende conter palavras quem é inclinada a reação febril e apaixonada.
    Ah ,Odete ! não vá perder o fio da meada ... rs
    Inconfundível seu estilo Sant Anna e muito bom ! fica o abraço.

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  3. A luz sob a porta. A foto a preto e branco. As formas da voz. A imagem imprecisa. No avesso do instante o seu poema é como as raízes que se enredam nos retratos de família e urdem no tempo outro tempo e nos deixam espreitar a memória sem desviar o olhar. Tão belo, o seu poema meu Amigo José Carlos.
    Tudo de bom.
    Um beijo.

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  4. Perderse a uno mismo desde el vacío y las distintas formas de la voz.., mejor encontrarnos en las emociones que surgen de cada verso y ansiar volver para seguir leyendo
    Un abrazo.

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  5. Um apelo que é feito por quem prescinde da solidão.
    Abraço de amizade.
    Juvenal Nunes

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  6. Boa tarde José Carlos Sant Anna,
    Este poema desfia uma luz ténue que atravessa memória, ausência e inquietação.
    A voz poética avança como quem procura o contorno do indizível, aquilo que nem a escola, nem o tempo, nem a lama ensinam.
    Há um diálogo suspenso, quase espectral, em que a imagem se desfaz e o afecto tenta permanecer.
    A meada é curta, mas densa, e cada verso parece puxar delicadamente o leitor para dentro desse calabouço interior onde a palavra é ferida e também claridade. Um texto que comove pela sugestão e pelo silêncio.
    Sempre muito criativo.
    Boa semana com saúde e Poesia.
    Deixo um beijo
    :)

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  7. Por vezes a vida de enovela numa meada que nos embaraça...
    Gostei muito destas palavras bem urdidas.

    Beijinhos e boa semana!

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  8. Este é um poema profundamente lírico e fragmentado, cheio de imagens de perda, distância e uma busca aflita por compreensão e conexão. A voz poética está em um estado de vulnerabilidade e reflexão intensa.Excelente! Abraços

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  9. Boa noite meu querido amigo!

    Eros, que texto ! Ele vibra como se fosse sussurro e ferida ao mesmo tempo.
    A luz que se perde, a foto que se desfaz, a voz que se desaproxima… tudo vai criando esse vazio que não é silêncio, é ausência habitada.

    O diálogo com Odete é quase um pedido de socorro emocional: uma conversa entre sombras, lembranças e o que não se aprende em lugar nenhum só na perda.

    E essa última parte… “urdiduras nas palavras medidas… a ferir-me desde dentro” é de uma beleza triste que fica muito depois da leitura.

    É poesia que dói devagar.

    Beijinho
    Nanda

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  10. Olá, amigo José Carlos!
    "Oh, Odete, que falta faz o que
    não se aprende na escola"
    Vou pelo lado bom da afirmação que recortei.
    Tem lugares e pessoas fora da escola que nos ensinam muito.
    Tenha um dezembro abençoado!
    Abraços fraternos

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  11. Um belíssimo poema que respira tanta saudade...
    Lindo, e quem diz que na tristeza não há beleza?
    Maravilhoso!
    Bjs, querido amigo, um lindo fim de semana que
    está a caminho.

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  12. Que dizer desse emaranhado de emoções que desafia a nossa compreensão? É dor, é saudade, é melancolia... Desafiar o tempo que se enforma nas dobras dos dias, uma meada que se enovela e deixa a sua trama no que se aprendeu ou desaprendeu nas vivências da vida. A lama ou o limo aderem nesse passado tão vivo e desafiador...
    Meu amigo, José Carlos, sempre a admirá-lo pela sua sensibilidade e talento.
    Passando agora ao miúdo, ele já viu que a escola é coisa boa, pelo menos por enquanto, e até já pede para ir :))
    Tudo de bom lhe desejo, amigo.
    Beijinhos
    Olinda

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  13. Ola,
    Inquietante e profundo um poema de muita delicadeza,
    A ausência e a saudade marcando a dor do poeta.
    Gostei muito.
    Deixo um beijo

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  14. Adorei muito seu poema. Estou a saborear e viajar no seu poema.
    Passa lá no Pensar com Leveza tem postagem nova e gostaria de saber sua opinião sobre o tema.
    Abraços.

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  15. Há poemas que não se leem,desemaranham-se. A meada é um destes: conduz-nos pelo fio tenso da memória e do não-dito, onde a luz hesita e a voz se desfaz nas margens do silêncio.
    A aparente imprecisão é a própria arquitetura do texto, espelho de uma ausência que se move e interroga.
    Entre a palavra medida e a ferida aberta, o poema faz do tempo um território íntimo, onde aquilo que não se aprende, nem na escola nem na vida bruta, é justamente o que mais nos falta.
    obrigada pelas visitas....

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