terça-feira, 3 de junho de 2025

Levados pelos ventos...

  

Imagem Pixabay


Até quis escrever igualmente a dois dias

uma canção para um café "correto"

que esfriava na xícara. E assim escreveria

a canção para subverter

as nuances da moça de Mangabeira.

Sem engano, porque há de ser assim,

embora até então

eu não soubesse a razão do sentido.

E com menos ou mais poesia,

sob um sol de inverno a espreitar

a luz que cintila no infinito,

diria do sortilégio que é um belo horizonte

para travesti-lo sob o sol frio deste dia úmido.

Ao escrevê-lo estaria eu parafraseando o papa

na sua voz branca, em gesto antigo,

na praça que leva o seu nome nas alterosas,

mas o vento afastou para longe

o prazer da rubiácea sem arrefecer seu perfume,

mantendo a obstinação do presente.

Então, confesso, talvez esteja na hora

de pedir outro café, tirado na hora,

e procurar, entre nuvens brancas, as palavras perdidas

para fechar o poema cuja chama me queima.

 

José Carlos Sant Anna, 

5 de maio de 2025. 



19 comentários:

  1. Um poema bonito, dedicado e sutil ,onde se pressente que com a força da chama e o sortilégio da canção, o vento vai abrandar na praça da Mangabeira. E que venha esse inverno e muitos outros cafés coados, sob a luz de um belo horizonte. Parabéns, JC .

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  2. Um sol de inverno a espreitar a luz que cintila no infinito. Um dia húmido. As palavras perdidas. Um café tirado na hora cujo aroma chegou aqui juntamente com o seu poema cheio de subtilezas e mistério. Tão belo meu Amigo José Carlos.
    Tudo de bom para si.
    Um beijo.

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  3. Com um lirismo discreto e elegante, Levado pelos ventos conduz-nos por entre aromas de café, silêncios suspensos e luzes de um inverno quase onírico, o autor entrelaça o quotidiano e o simbólico numa linguagem de subtilezas, em que cada imagem parece sussurrada pelo tempo. Uma poesia que paira como neblina sobre o presente, onde o desejo de nomear o indizível se mistura ao perfume persistente da rubiácea, e à busca contínua pelas palavras perdidas.
    Deixo um beijo.
    :)

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  4. Caro Eros,

    Há algo neste poema que não se lê apenas com os olhos lê-se com os ouvidos do tempo e com a pele da lembrança. O café “correto” que esfria torna-se metáfora de tudo aquilo que tentamos aquecer com palavras, mas que insiste em nos escapar como a moça de Mangabeira, com suas nuances que desafiam o entendimento e nos convidam à subversão do óbvio. O poema caminha como quem procura sentido sem precisar encontrá-lo por completo. E é belo o modo como o “sol de inverno” e o “belo horizonte” se entrelaçam, como se a paisagem fosse sempre uma travessia emocional algo que cintila, mas se veste de frio. A imagem do papa e sua voz branca em gesto antigo empresta à cena uma solenidade quase litúrgica, num tempo que mistura fé, ritual e poesia. Mas é o perfume da rubiácea persistente mesmo após o prazer ter sido levado pelo vento que dá ao texto sua permanência. É como se a essência das coisas resistisse, mesmo quando tudo mais já se dispersou. E então, surge o gesto mais simples e mais humano: pedir outro café. Voltar à origem. Continuar procurando as palavras perdidas entre nuvens como quem aceita que escrever é uma forma de queimar-se em silêncio. Obrigada por essa partilha que aquece, mesmo quando fala de um café que esfria.

    Com admiração,
    Fernanda!

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  5. Ah! Completou a publicação. Um espaço enorme
    à espera de alguma coisa mais (?) e o seu nome,
    indispensável. Mas está tudo perfeito.
    E eu, pobre mortal, não sei como comentar este seu
    poema. Belo, sinuoso, com as palavras perdidas por
    aí, desgarradas. Da moça de Mangabeira tendo a ir
    buscá-la a Raquel de Queiroz. E o papa com o seu gesto
    antigo, e a praça com o seu nome...Praça de São
    Pedro? Tire-me dessa agonia.
    O que me salvaria é esse cafezinho tirado na hora.
    Hoje de manhã fiz um café de que não gostei. Gosto
    de o tomar com leite, soube-me a amargo.
    Há o vento, por vezes arrasador. Conheço-o bem. Cresci
    com ele, por vezes quase que nos arrastava.
    Mas essa poesia, esse savoir-faire ou écrire, belo
    e instigante, caíram-me mesmo bem.
    Devo dizer, caro José Carlos, que desapareceu o
    comentário que fiz há pouco, bem pior que este.
    Peço-lhe desculpas.
    Grande abraço.
    Olinda

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  6. José Carlos
    No meu telemóvel o seu post aparece com grande espaço em branco e sem o seu nome. No PC vê - se de outro modo.
    Peço que releve o meu tom de brincadeira e não publique o comentário.
    Abraço
    Olinda

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    1. Tão espontâneo, tão natural, o seu pedido, minha amiga Olinda, por isso o deixei. Peço-lhe desculpas. Publicá-lo revela que somos de carne, osso e pescoço, risos. Não perdemos a seriedade porque houve um incidente: leve como uma pluma. A praça se chama Israel Pinheiro, mais conhecida como Praça do Papa (lá esteve o Papa Francisco rezando uma missa). Na sua homilia, com o humor que o caracterizava, ele disse bem descontraidamente: “Que belo horizonte”.
      Fazia um jogo de palavras com a capital do estado de Minas Gerais que se chama Belo Horizonte e a vista que a praça oferece. Um mirante sem igual para a cidade.
      Em julho, é bom que saibamos os ipês florescem dão mais beleza à região. E o Palácio do Governador fica ao lado da Praça.
      Muito obrigado pelos cuidados e atenção!
      Beijinhos, minha amiga Olinda!

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    2. Caro José Carlos
      Estendi-me ao comprido, está visto.
      Mas também foi mais uma oportunidade
      para aprender com o seu saber e que
      tem grande valia para mim.
      Agradeço a sua generosidade.
      Beijinhos
      Olinda

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  7. Ah, poetas, até para não escrever um poema, escrevem poemas sobre poemas que querem escrever"

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    1. E isso mesmo, Eduardo, enquanto a água aquece, o poema chama por mim.

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  8. Olá, amigo José Carlos, muito bom ter você de volta,
    com suas crônicas e poemas, escritos com maestria
    do mestre da Bahia.
    Uma ótima semana, com saúde e paz.
    Grande abraço.

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  9. Olá
    Que poema bonito.
    Que bem soube este café, em que o aroma são brisas doces que nos
    despertam os sentidos.
    Gostei muito.
    Abraço****

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  10. Olá, Jose Carlos
    Enquanto espero pelo café, vou lendo sua poesia cheia de encantos como um belo horizonte e o sol de inverno. Enquanto leio sua poesia penso sim na paz de gaza, na da Ucrânia e nas favelas do Rio de janeiro. Desejo um final de semana feliz e abençoado por todos os deuses existentes.
    beijos

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  11. Um poema que precisa de ser lido mais que uma vez. Foi o meu caso, sendo que a cada leitura ia voando noutros sentidos. Ou seja, o seu poema é riquíssimo, obriga o leitor a entender os caminhos que vão surgindo a cada verso.
    Os meus aplausos, excelente poema.
    Boa semana.
    Um abraço.

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  12. Olá, querido amigo José Carlos, o cafezinho é o salvador das conversas de cafeteria, de botiquins... quando o papo se esgota:
    - Hei moça... traz outra rodada de cafezinho, mais 3 capuccinos e 4 expressos!
    E lá vem mais cafezinho com renovados papos! E a roda gira contente!
    Poema inspirador, querido amigo!
    Uma boa semana, com saúde e paz!
    Beijo, amigo.

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  13. Me gustó mucho la naturalidad del poema. mientras leía me parecia oler su aroma y ver subir el humo en espiral
    Un placer volver a leerte Juan Carlos
    Un abrazo

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  14. Que beleza de escrita, amigo! Essa sua capacidade de transformar o cotidiano em poesia é algo que sempre me encanta.

    A ideia de uma "canção para um café 'correto' que esfriava na xícara" já me pegou. É tão real e, ao mesmo tempo, tão poético! A forma como você entrelaça o desejo de escrever, a subversão da "moça de Mangabeira" e a busca pelo sentido é fascinante.

    E esse "sol de inverno a espreitar a luz que cintila no infinito" é uma imagem poderosa demais. A maneira como o vento afasta o prazer da rubiácea (o café, que sacada genial!) mas não o perfume, mantendo a obstinação do presente, é uma metáfora que me fez parar e reler.

    No fim, essa confissão de "talvez esteja na hora de pedir outro café, tirado na hora, e procurar, entre nuvens brancas, as palavras perdidas para fechar o poema cuja chama me queima" é a cereja do bolo. É a própria essência do processo criativo, com a urgência de capturar a inspiração antes que ela se dissipe.

    Você me inspira a olhar o meu próprio café com outros olhos! Adorei demais!

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  15. Se já comentei... desconsidere... perdoe a distração amigo

    Que beleza de escrita, amigo! Essa sua capacidade de transformar o cotidiano em poesia é algo que sempre me encanta.

    A ideia de uma "canção para um café 'correto' que esfriava na xícara" já me pegou. É tão real e, ao mesmo tempo, tão poético! A forma como você entrelaça o desejo de escrever, a subversão da "moça de Mangabeira" e a busca pelo sentido é fascinante.

    E esse "sol de inverno a espreitar a luz que cintila no infinito" é uma imagem poderosa demais. A maneira como o vento afasta o prazer da rubiácea (o café, que sacada genial!) mas não o perfume, mantendo a obstinação do presente, é uma metáfora que me fez parar e reler.

    No fim, essa confissão de "talvez esteja na hora de pedir outro café, tirado na hora, e procurar, entre nuvens brancas, as palavras perdidas para fechar o poema cuja chama me queima" é a cereja do bolo. É a própria essência do processo criativo, com a urgência de capturar a inspiração antes que ela se dissipe.

    Você me inspira a olhar o meu próprio café com outros olhos! Adorei demais!

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