quarta-feira, 14 de maio de 2025

No café

 

Imagem Pixabay

Finjo não ver o vento balançar
nas rochas nuas, encasteladas,
sobrepostas à delicadeza
da tua taça de rubiácea.

E se ao menos o café parisiense rasgasse
este coração à deriva e colhesse
o malmequer cansado dos dias
convicto, eu desvelaria outras sombras.

Lá a indiferença dos teus afagos
colados à sombra do teu chão,
e perto dos meus lábios, existiria,
na tentação absoluta que tu não vês.

Lá, além das blandícias das peles
e das mulheres, na angústia
de brumas tangíveis,
eu desbarataria a solidão barricada.

Por entre os dedos, resignado,
nada em mim te repele.
Confesso, sobrevivo aos mistérios
do meu café parisiense.

Lá noites estreladas prolongam
a melodia dos teus olhos castanhos,
hálito de anjos, que as palavras criam. 


José Carlos Sant Anna, 

reeditado

 

10 comentários:

  1. Belíssimo!
    Que haja sempre melodias na vida!

    Beijinhos.

    ResponderExcluir
  2. Não adianta fingir não ver o balanço do vento. O café parisiense rasgará o coração à deriva e colherá o malmequer cansado dos dias porque há noites estreladas dentro de uns olhos castanhos que o hálito dos anjos transformaram em palavras. Poema com sombras de um regresso sem sentido ou de uma sedução nunca relatada, onde a inquietude se enrosca no texto. Tão belo e tão intenso, meu Amigo José Carlos,
    Tudo de bom para si.
    Um beijo.

    ResponderExcluir
  3. O poeta é um fingidor, não é?

    Adorei o poema. Já disse aos meus amigos blogueiros poetas que
    não gosto de comentar poesias, pois prefiro lê-las e deixar suas metáforas vibrarem meus sentidos.
    Mas leio todos os poetas que conheço por aqui, e você é mais um de alta estirpe.

    ResponderExcluir
  4. Ah, Paris com inúmeros cafés espalhados pelos quartiers onde todo bom parisiense os fins de tardes ou após o trabalho, com `seu coração a deriva` , vai assistir a vida passar ... enquanto isso os poetas revivem FPessoa _ "finge tão completamente.Que chega a fingir que é dor. A dor que deveras sente" rs Muito lindo seu poema. Quero muito voltar ao Café Flore e pedir uma taça do gênero Coffea (a rubiácea), que seu poema provoca.
    Um abraço, José Carlos.

    ResponderExcluir
  5. Eros seu poema é uma tessitura delicada entre o sensual e o melancólico, onde o café parisiense funciona como metáfora e memória. Há uma paixão contida, um desejo não concretizado, mas presente em cada imagem da “taça de rubiácea” à “melodia dos teus olhos castanhos”. O eu lírico caminha entre o sonho e a ausência, sobrevivendo à solidão com beleza e palavra. É poesia que sussurra, sem pressa, o que o coração ainda espera.
    Lindamente escrito

    Abraço

    ResponderExcluir
  6. Adiar o inevitável??? No fundo, já há uma partida....
    Interessante...
    Beijos e abraços
    Marta

    ResponderExcluir
  7. Lá o romantismo faz escola e nós, les romantiques, somos
    convocados para um Café parisiense, espaço privilegiado para o
    desenvolvimento deste lindo poema. E a Lis referiu o Café de Flore,
    Flore déesse des fleurs e du printemps, lugar que conheceu tantos
    intelectuais e onde a palavra "surrealista" conheceu a luz do dia.
    A solidão acompanha-nos e nem mesmo ali, nesse ambiente, com
    as blandícias e perfumes e as brumas tangíveis nos vemos livres
    dela.
    Admiro a sua escrita, amigo José Carlos.
    Grande abraço.
    Olinda

    ResponderExcluir
  8. A atmosfera do café parisiense é inimitável.
    E o seu excelente poema está impregnado dessa atmosfera.
    Boa semana.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  9. Um poema melancólico recheado de desejos e amor contido.
    Muito bom!
    Abraço, marli.

    ResponderExcluir
  10. Olá,
    Nostálgico e apaixonado. Gosto quando a poesia desliza entre os labios e aconchega no coração, Uma bela inspiração.
    feliz dia ♥

    ResponderExcluir

Poética

  Imagem Pixabay Tudo parado.  É inútil  o arrastar-se do caracol.    Sôfrego,  o gastrópode terrestre corpo mole, cor parda e...