Bela, a mais bela das belas. Ela chegou com os pais e o irmão àquele café depois do almoço em família. Trajava um vestido estampado, bem ajustado em seu corpinho. Estava bem elegante para os quatro aninhos no costado. Para os padrões atuais era uma criança bem-comportada.
Enquanto não se descolou uma cadeira para sentar-se como uma mocinha, inquieta, ela subia e descia do colo da mãe. Depois, sentindo-se observada, repetiu a cena algumas vezes, sem incomodar-se. Achando tudo muito divertido. Ou seria um pouco menos a sua idade?
Ela era esperta. Espertíssima. Depois de acomodada à cadeira e mesa, cedida ao seu pai por mim, ela se levantou e foi direta aos chocolates por onde a mãozinha, ávida, alcançava, pegando-os. Obediente, os devolveu às prateleiras quando seu pai, solenemente, disse-lhe que o fizesse.
O pai procurava controlar os movimentos das crianças – um casal –, sem alarde e discreta firmeza. A mãe parecia dizer que não estava ali, nem aí, para o que fizessem. Ficou quieta aguardando o café, deixando ao pai o cuidado e a disciplina com os pequenos.
Bela e o menino, um pouco mais velho, um ano talvez, se mexiam dentro da casa de chocolate, que, se via, eles conheciam bem pela desenvoltura. Ele queria o sorvete, uma especialidade da casa que ele tinha saboreado em outra oportunidade, pedia a cumplicidade da mãe, propondo uma partilha, mas aceitou o chocolate levado pela irmã “numa boa”, acatando a decisão do pai. Os pais beberam café e comeram, comedidos, pedaços de chocolate das crianças.
Finda a pequena farra, os pais, educados, nos acenaram, éramos também uma família reunida, despedindo-se. Então, eu disse para a menina, que já se afastara, elevando um pouco a voz para que ela me ouvisse: “Ciao, Bela”. Os pais lhe disseram: “fale com o vovô”, e Bela voltou, correndo, e me deu um caloroso abraço, o que me fez lembrar de um velho amigo, advogado (ele me dizia com frequência "você tem idade para ser meu filho"), que, tendo já passado dos 80 anos, o que não é o meu caso, repetia para mim quando nos encontrávamos: “agora, Zé, tudo eu choro! Qualquer coisa! Ainda que seja uma coisa banal, lá estão os olhos umedecidos. Imagine, pareço manteiga, derreto com facilidade: uma cena na televisão, uma palavra, um gesto, tudo eu choro”.
Bela não viu os meus olhos molhados quando ela me deu aquele abraço, amoroso, terno, que as crianças sabem fazê-lo na sua inocência. Me perguntei, então, depois que ela foi embora, passando discretamente o dorso da mão pelas pálpebras umedecidas: “Ainda longe dos 80 anos, será que estou ficando igual ao amigo advogado: qualquer coisa, eu me derreto?"
José Carlos Sant Anna,
abril de 2025.
Muito bacana seu relato. Esses gestos de carinho puro e verdadeiro das crianças não tem como não emocionar.
ResponderExcluirBelíssimo conto de um dia do cotidiano.
ResponderExcluirAdorei ver que ainda há crianças com educação, neste mundo virado do avesso.
Obrigada pela visita ao meu cantinho.
Beijinho e óptimo dia.😘
Meu Amigo.
ResponderExcluirFiquei enternecida com este conto, tão belo como cativante.
A imagem, uma pérola.
Deixo um beijo
:)
Fernando Pessoa tinha razão quando escreveu que o melhor do mundo são as crianças. Elas alegram-nos e comovem-nos com a ternura imensa que têm para dar. A comoção. Como dizia Torga: "ou choramos por tudo e por nada ou os olhos ficam secos de tanta lucidez".
ResponderExcluirUm conto tão belo, sensível e comovente. Obrigada meu Amigo José Carlos. Tudo de bom para si.
Um beijo.
Eros querido,
ResponderExcluirHá textos que não se leem com os olhos, mas com a alma. O seu é desses. Não apenas por contar uma cena singela e tocante, mas por conseguir devolver ao leitor o milagre da ternura em forma de palavras.
A menina, Bela, é personagem e símbolo. Ela entra no café com a leveza de quem ainda não sabe da dureza do mundo, e com um vestido estampado e a inquietação inocente dos seus poucos anos, transforma aquele instante em algo eterno. Você a descreve com tamanha doçura que a cena salta da página e se faz presença. E nós, leitores, estamos ali com você: observando, sorrindo, aprendendo. Os gestos simples subir no colo da mãe, pegar os chocolates com as mãos miúdas, devolver obedientemente ao comando do pai, a correria leve ao seu encontro são como pinceladas de humanidade em uma tela que, de tão real, emociona.
E há ainda o pano de fundo silencioso: a mãe ausente em sua calma, o pai atento na retaguarda da infância, o irmão cúmplice no pequeno desejo do sorvete. É uma coreografia do cotidiano, que você eternizou em palavras.
Mas o ápice vem no abraço. Não é qualquer abraço. É aquele que só uma criança é capaz de oferecer: inteiro, espontâneo, cheio de uma confiança que o mundo adulto vai perdendo. Esse abraço atravessa a pele e vai direto ao lugar onde guardamos as saudades do que já fomos ou do que ainda queremos ser. E então, você se pergunta, com os olhos marejados: “Será que estou ficando como meu velho amigo? Qualquer coisa me derrete?”
Sim, talvez estejamos todos. Mas que bela forma de derreter. Porque só se comove quem ainda tem espaço dentro de si para sentir e esse espaço é precioso. Seu texto me lembrou que o mundo ainda é habitável quando há poesia nos olhos e acolhimento nos gestos. Que sorte a sua ter vivido essa cena. Que sorte a nossa ter podido lê-la.
Com o coração tocado,
Fernanda
Fernanda, assim eu terei que recorrer a um lenço; me comoveu seu comentário. Olhar perspicaz.
ExcluirAfetuoso abraço,
Eros,
ResponderExcluirse minhas palavras pediram um lenço, é porque alcançaram o que há de mais humano em nós: o sentir. Às vezes, um comentário é como um espelho d’água reflete mais do que se vê. Agradeço sua delicadeza e retribuo o afetuoso abraço com a brisa de um silêncio que compreende.
Com carinho,
Fernanda
Olá, amigo!!
ResponderExcluirVi você comentando nos amigos e fiquei pensando, será o mesmo?? Acho que sim, rss. E aqui estou, já estou seguindo!
Crônica adorável de ler, perfeito cotidiano de nossas observações!
Pois lhe dou boas - vindas, amigo! Que bom!!
Um beijo, José Carlos.
Olá,
ResponderExcluirEu sou dessas. Meus olhos marejam com atitudes e gestos que me tocam o coração. A sensibilidade do abraço de Bela e a resposta imediata do vô: Emoção, momentos únicos em nossa vida tão corriqueira.
Viver esses momentos é ganhar o mundo em uns segundos.
Feliz dia.
Respirando.Pausando, enquanto leio e revejo na Bela a minha princesinha e seu sorriso de felicidade diante das guloseimas ,na mesa de seu aniversãrio. As ciranças são doses de alegria numa casa.Seu conto meio divinal ,consegue trazer a cirança que há em cada um de nós e com isso umedecer nossos olhos.
ResponderExcluirParabéns ,José Carlos. Sempre uma delícia ler você.
Olá!
ResponderExcluirGostei muito de sua crônica. Uma observação perfeita das tramas do cotidiano. Com certeza, o avançar da idade nos torna mais emotivos. Sei disso, sinto na pele. Ah, meu amigo, para os "corações de manteiga" que se comovem facilmente, um abraço sempre será um abraço especial e se vier de uma criança, então nem se fala.
Bjssss, Marli.
Há gestos que nos enternecem cada vez mais à medida que a idade vai avançando.
ResponderExcluirMagnífica crónica, gostei de ler.
Boa semana.
Um abraço.
Ah… que texto mais encantador e delicado!
ResponderExcluirSenti como se estivesse lá, observando a pequena Bela com seus olhos curiosos, sua espontaneidade tão genuína, seu jeitinho de flor que desabrocha em meio a uma tarde comum.
Que cena linda essa do abraço, tão simples e, ao mesmo tempo, tão cheia de significado!
Criança tem mesmo esse dom mágico de tocar a alma da gente sem pedir licença.
E essa sua lembrança do amigo, tão humana, tão próxima...
Acho que há momentos na vida em que a emoção transborda sem a gente perceber — talvez seja sabedoria do coração, não da idade.
Derreter-se diante da pureza é, no fundo, sinal de que o espírito continua sensível, vivo, receptivo ao que realmente importa.
Obrigada por essa crônica tão doce, cheia de amor sutil e gestos verdadeiros.
Ela me abraçou também, com a mesma ternura da pequena Bela.
AGRADECIDA PELOS SEUS TÃO AMÁVEIS COMENTÁRIOS!
SIMPLISMENTE OS AMOOOOOOOOOO!
Tão bonito, tão delicado.
ResponderExcluirÉ muito bom quando a emoção nos toca por gestos tão puros.
Sinal que os nossos sentidos ainda nos vestem a alma.
Gostei muito de conhecer a Bela.
Abraço e brisas doces *****
Nada tan bello y que deje mejor sabor que la inocencia y ternura que los niños (en este caso Bela) suelen dejar
ResponderExcluirLa historia enternece y el dibujo precioso y delicado
Un abrazo