sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Trenzinho Caipira


O que faz aquele guru? Sugere em seu vídeo que escrevamos um Diário, mostrando o quão é interessante tê-lo ou escrevê-lo dia após dia. Diz-nos em tom de galhofa que não é preciso ser um Diário de madrepérola ou rosa. E acrescenta: “o Diário pode ser digital, meu caro”.

Sugere, enfaticamente, que escolhamos um horário para escrevê-lo e mantenhamos esse duplo compromisso: o de escrevê-lo e o do horário; cumpri-los, eis a questão. E acrescenta: escrevam um Diário como o fez, por exemplo, Edmond Wilson. E ri sem bater as pálpebras.

Levo a sério e digo a mim mesmo: espero que ele cresça como as árvores da praça em frente à minha janela.

E logo inauguro Meu Diário, em pleno Dia dos Pais. Por certo, alguém da família, tipo, uma das minhas filhas, me perguntará: "meu pai pra que um Diário na sua idade?" Vou dar de ombros ao ouvir esta indagação. A verdade é que tenho alguns anos de vida, como revelam meus cabelos brancos, mas não perdi as contas. E asseguro: não me preocupa essa aritmética e por baixo deles (dos cabelos brancos) nada se esconde.

Uma vez decidido escrevê-lo, periodicamente, farei a leitura do Diário. Saberei os registros feitos nas monotonias das tardes ou na passagem das estações.

É pouco? Que o tempo seja meu cúmplice neste Diário.

 


Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar

Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra, vai pelo mar

Cantando pela serra, o luar
Correndo entre as estrelas, a voar
No ar
No ar

Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar

Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra, vai pelo mar

Cantando pela serra, o luar
Correndo entre as estrelas, a voar
No ar
No ar

No ar
No ar
No ar
No ar

Composição: Heitor Villa-Lobos / Ferreira Gullar.


13 comentários:

  1. Eros querido,

    O seu texto tem um tom ao mesmo tempo irônico e íntimo, como se fosse uma conversa de fim de tarde consigo mesmo com pausas, pequenas provocações e um certo ar de “vou fazer porque quero, e não porque mandaram”. O guru é mais um personagem disparador do que um guia real: ele propõe, mas você filtra, transforma e adapta à sua própria medida.
    O gesto de começar um diário no Dia dos Pais dá à narrativa uma camada afetiva sutil, que dialoga com o tempo e com a memória, mesmo sem sentimentalismo explícito. Há uma ternura implícita na resposta que você imagina para a sua filha: um dar de ombros que, na verdade, revela segurança no próprio ato. Gostei especialmente do fecho: “Que o tempo seja meu cúmplice neste Diário”. É uma frase que dá ao texto um pacto com o futuro, como se cada página fosse uma semente e a leitura posterior, um reencontro com quem foi. É pouco? Talvez para quem não entende o valor dos pequenos registros; mas para quem escreve, é justamente o suficiente para que a vida se sinta acompanhada.
    Amei a canção, viajei nela!
    Amei moço!

    Beijinho
    Fernanda!

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    1. Nanda, minha querida amiga,
      Você é tão generosa nos seus comentários e, ao mesmo tempo, tem uma olhar tão penetrante. Certa feita, conversando na Academia de Letras da Bahia, o imortal Carlos Eduardo da Rocha, já não está aqui conosco, me disse: "é tão interessante ouvir vocês, pois revelam ou desvelam coisas sequer imaginadas pelos autores das obras analisadas, pelo menos no meu caso.
      Assim fica o meu registro.
      Mantenho o penetrante lá de cima, e cá embaixo subscrevo cativante.
      Fique com o meu carinho por este "teu olhar", rsrsrs.
      Abraços, moça!

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  2. Eros,

    querido amigo, suas palavras me aquecem o coração! Fico feliz que meu olhar e meus comentários toquem de alguma forma, e ainda mais por saber que podem revelar algo que passa despercebido. É maravilhoso poder partilhar reflexões com alguém tão atento e generoso. Recebo sim seu carinho com alegria e devolvo-o em dobro, com gratidão e afeto por sua amizade.

    Abraço carinhoso,
    Nanda 😘🙏🏻

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  3. Este post traz uma viagem encantadora — a forma como retratas o Trenzinho Caipira e o ritmo da vida na cidade e no campo é mágica, quase musical. Senti-me a ouvir a melodia enquanto lia cada verso, mergulhando na beleza simples e genuína que transmites. Obrigada por partilhares esta poesia que aquece a alma.

    Com amor,
    Daniela Silva 🦋
    Alma‑leveblog.blogspot.com — espero pela tua visita no meu blog

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  4. E aí, tudo bem?

    Se o guru mandou...faça!!!
    Ou não, né? Saberá o guru o que eu tenho que fazer
    pra me sentir melhor?
    Quem sabe de mim sou eu, já cantava Gil.
    Mas que seja. Guru às vezes, acerta.
    Escrever diário, e vejam só: Virtual!! - que tecnológico! É um exercício
    de botar pra fora a nossa relação com o mundo, a nossa relação com a vida. E se outrora os diários eram secretos, hoje em dia nestes tempos de exposição, eles são abertos para quem quiser compartilhar boas conversas da vida alheia.

    E o que dizer do Boca Livre?
    Aliás, "boca livre" não é uma nome ou uma expressão
    bem sugestiva?
    Pronto, os nossos diários virtuais são isso: Bocas abertas.

    abraços.

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  5. Caro Eduardo,
    seu humor é nota dez. E você absorveu o texto com a ironia e o humor que nele vicejam, e manteve a pegada.
    No texto, o guru diz digital e não virtual.
    Ao ler seu comentário, me lembrei imediatamente de Seu Saraiva, aquele personagem de Chico Anísio em Zorra Total, interpretado por Francisco Milani, que, ao final do quadro, dizia: "ih, ele acreditou...", rsrsrs.
    A ficção, quanto mais parece verdade, quanto mais verossímil, mais verdade é, ou seja, significa que transfiguramos o real e o devolvemos como se real fosse. Se não for um real de fato, e não o é?
    Gosto da sua irreverência, se não for assim, não tem graça, não é verdade?
    Um abração,

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  6. Escribir un diario se puede escribir a cualquier edad. ¿Qué importan las canas o los números si las emociones afloran siempre? Para escribir un diario se necesitan ganas para estar delante de un folio en blanco y verse reflejado en ese espejo que nos refleja el día a día.

    Recuerdo que yo en mi adolescencia escribía diarios, pero tuve la desfachatez de que cuando fui adulta me deshice de ellos. Un grave error del cual hoy me arrepiento. Porque ahora me gustaría leer página tras página lo que en aquellos años mis emociones gritaban. Recuerdo tuve varios. Y con ellos fui creciendo, allí describí mi primer beso, mi primer amor, la ruptura... todo... todo...

    Pero un diario puede ser escrito a cualquier edad. Y comenzarlo en cualquier día importante. Quién sabe si alguna de tus hijas algún día lo leen y se dan cuenta del gran padre que tuvieron cuando tú ya no estés aquí presente. Un legado de lo más bonito. El mejor. El legado de las emociones profundas.

    Esta entrada me ha gustado mucho. Lo que no puedo es poner el vídeo en este momento.

    Un abrazo.

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  7. Sabe, José Carlos? Eu tenho um Diário. Assim, maneirinho, capa dura, forrado dum material parecido com couro e tem uma chavinha. Tenho-o numa das gavetas da cómoda e sempre que a arrumo pego nele, folheio-o, tomo-lhe peso...Um dia destes até me falou, um tanto incomodado: "Então, não escreves nada?" E com razão, porquanto as folhas continuam sem o mais leve traço, intocadas pelo bico de um lápis ou caneta de tinta permanente. Enchi-me de brio e resolvi escrever um texto que me saiu meio lamechas, intitulado: "Cumplicidade". Sem data e sem hora, não obedecendo às boas regras diarísticas, e, ainda por cima, num papel à parte para depois passá-lo a limpo, para o Diário. Qual quê! Ainda o tenho à espera de melhores dias. Por esse andar nem o Guru me valerá.
    Deixei-me embalar pela cantiguinha do "Trenzinho Caipira".
    Muito gosto em ler o que nos traz, meu amigo.
    Beijinhos
    Olinda

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    1. Heitor Villa-Lobos e Gullar, uma dupla de respeito. A melodia, tão linda, prendeu-me no seu encanto. 🌺🌻💐

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    2. Sabe, Olinda? Estranhei o teu silêncio inicial sobre a "dupla de respeito". Havia um convicção de que você gostaria da música e do poema. É um trio. O arranjo é de Edu Lobo. E não errei, risos.
      Eis que disse Gullar sobre a música em crônica de 6 de dezembro de 2009, publicada na Ilustrada da Folha de São Paulo.
      "[...] Sei é que, certa tarde, sozinho no apartamento (na antiga rua Montenegro, hoje Vinícius de Moraes, em Ipanema), pus na vitrola um disco com as "Bachianas" e ouvi, pela primeira vez, a do trenzinho do caipira.
      Entrei em transe. É que, quando menino, meu pai, que fazia comércio ambulante, me levava nas viagens de trem entre São Luís e Teresina. O trem saía de madrugada e, ao amanhecer, cortava o Campo dos Perizes, um vasto pantanal, povoado de garças, marrecos, nhambus, pássaros de todo tamanho e cor. Eu ficava deslumbrado, a cada viagem. Deslumbramento esse que voltou quando ouvi a "Tocata" da "Bachiana nº 2". Tive o ímpeto, naquele instante, de pôr letra na música, mas não consegui. E não tentei uma vez só, não, mas várias, ao longo dos anos, sem resultado.
      Pois bem, em 1975, ao escrever o "Poema Sujo", em Buenos Aires, evoco aquelas viagens que fazia com meu pai e, então, enquanto, antes, era a música de Villa-Lobos que me fazia lembrar das viagens, agora elas é que me fizeram lembrar da "Bachiana nº 2" e, assim, a letra que não conseguira escrever em 20 anos, escrevi em 20 minutos [...]"
      Beijinhos, Olinda.

      Em tempo:
      Já reparou como a palavra cumplicidade vibra no céu da boca?

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    3. Ferreira Gullar, poeta que admiro, presença no "Xaile de Seda" em, pelo menos, 3 poemas. Adorei a transcrição desse seu escrito, falando de como escreveu a letra para essa música de Villa-Lobos. Lembro-me de Edu Lobo na companhia de Vinicius de Moraes.
      Cumplicidade é uma palavra que tem um mundo de mistérios a envolvê-la. Adorei a forma como se referiu a ela.
      Meu amigo José Carlos, muito obrigada por ter respondido ao meu comentário, trazendo-me informações preciosas.
      Beijinhos
      Olinda

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  8. Olá, caro amigo.
    Bela homenagem e merecida a estes grandes nomes da poesia.
    Gostei igualmente da música, que desconhecia. Muito bonita.
    Muito obrigado, pela visita ao meu cantinho.

    Abraço e boa semana!

    Mário Margaride

    http://poesiaaquiesta.blogspot.com
    https://soltaastuaspalavras.blogspot.com

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  9. Yo tengo un diario y allí escribo momentos de felicidad y angustia y me doy cuenta como con el correr del tiempo lo que antes me provocaba angustia hoy lo veo insignificante.
    Hermoso post, acompañado con una deliciosa música.
    Un diario te va mostrando tu desarrollo emocional, tu forma de ver la vida,
    Besos

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