Da minha cumplicidade com o
texto de Olinda Melo, publicado hoje no seu blog Xaile de Seda.
No céu da boca vibra como se fosse um canto. E se espalha. Nada além. Um decompor, digo. O fogo arde, ela o descreve com força. Ponto final. Do lado de cá, ainda que inacreditável, faz um friozinho para os padrões daqui, onde prosperam outras plagas e ervas daninhas aos borbotões. Outras espécies de fogo mesmo sem água vicejam por aqui, enquanto Ferreira Gullar passeia pelo meu diário de braços dados com Heitor Villa-Lobos. Soberbos. Nunca foram parceiros. Distantes estão. Solidários estariam com os amigos de lá. Estarão. Chamo Edu Lobo para esta conversa-passeio, maestro como tantos outros, do alto dos seus oitenta e poucos anos, a andar sobre os trilhos erguidos pela dupla Villa-Lobos Gullar. O fogo arde. Os baldes são poucos. O mote é trem. Ela não rebate, mas diz em letras garrafais: o mote é fogo, que nos mata aos pouquinhos, a cada ano. Nada sobre defeitos ou imperfeitos, e sim sobre inoperância, que reina absoluta, embora não paire no ar o absolutismo, só as chamas. Alhures. No céu da boca o fogo cúmplice. É um manifesto o que ela escreve. O fogo arde. Aos baldes. Um quê de água. A pergunta não se cala. Por que nada se faz o ano inteiro antes que se faça este luzeiro? Não há como esquivar-se, ele pensa, aprisionando-se ao fogo mais intenso no céu da boca. É um caos. A tonalidade incomoda. Suspiros. Distorções. Aliciados pelo fogo, exaustos, os bombeiros, que poderiam ser a solução, se extenuam e se apagam na refrega. Não conseguem dar conta do recado quando não apagam o fogo vindouro. O fogo habita nos indivíduos, nos animais, e a quantos importa? Importam os meios, mas não se importam os meios para debelar a conflagração. O fogo mata é o que nos diz no seu manifesto antes que se consolide uma resiliência que não seria o caminho do princípio, e sim um perigoso enlace com o fogo ao perder-se de si mesmo.
José
Carlos Sant Anna,
18/agosto/2025
Prometeu deu like nesse texto. Um deleite ler aqui.
ResponderExcluirBoa semana, José.
Um excelente texto, gostei de ler.
ResponderExcluirEnquanto o fogo que arde continua...
Boa semana.
Abraço.
Hermoso texto, y el fuego sigue arrasando todo a su paso.
ResponderExcluirLamentable
Besos
Há uma tessitura rara nesse texto, Eros: ele não apenas dialoga com Olinda Melo, mas se enrosca em sua chama e a faz reverberar em outros tons. O fogo de que ela fala se espalha aqui em metáforas múltiplas: ora no céu da boca, íntimo e visceral; ora nas florestas e nos descasos que ardem do lado de fora. É manifesto e é canto. Gostei do modo como os nomes Gullar, Villa- Lobos, Edu Lobo atravessam a cena como se fossem companheiros convocados a esse cortejo de imagens. Não há cronologia nem fronteira: há uma espécie de partitura verbal, onde a música e a poesia se encontram para dar corpo ao protesto.
ResponderExcluirO texto não é só comentário, mas criação paralela. Um corpo novo, tecido na cumplicidade. E talvez seja isso o mais belo: a leitura que se transforma em escrita, o fogo que não se extingue, mas passa de mão em mão, de voz em voz.
Abraço,
Fernanda!
Uma temática repetida a cada ano. Um flagelo sobre que todos falam e ninguém consegue debelar. Um estigma que as altas temperaturas não justificam.
ResponderExcluirUm país pobre a tornar-se cada vez mais pobre.
Uma vergonha trágica que parece que não envergonha todos.
Para quando uma tomada de consiência profunda que reconcilie todos?
Abraço de amizade.
Juvenal Nunes
Ah, meu amigo José Carlos, a cumplicidade encontra neste seu texto uma das suas facetas mais solidárias e encantadoras. Nele entrecruza figuras de grande relevo como Villa-Lobos, Ferreira Gullar e Edu Lobo, integrando - os nestes nossos dias, neste vale de lágrimas. Senti que elas, as lágrimas, me traíam quando li as suas palavras, um refrigério para o meu coração. Neste tempo de fogo, a distância se encurta e encontra nesse lado do mar poesia que cura, que conforta, não só a mim, mas também àqueles que nestas horas aziagas procuram uma gota de água com que refrescar o rosto.
ResponderExcluirMeu amigo, a minha admiração.
Beijinhos grandes.
Olinda
Olá, amigo José Carlos, nesta sua incendiária crônica,
ResponderExcluirexcelente crônica, você reúne dois grande nomes que
não estão mais aqui, Ferreira Gullar e Villa-Lobos, duas reservas da nossa cultura, e depois para arredondar a crônica você introduz o nosso grande Edu Lobo, um dos baluartes da Bossa Nova.
Gostei muito da crônica.
Votos de uma ótima semana.
Grande abraço, amigo!
Este post é um manifesto poético e urgente sobre os incêndios que devastam paisagens e corações. José Carlos Sant Anna, em diálogo com Olinda Melo, tece palavras que queimam com a mesma intensidade das chamas que descrevem. O fogo é metáfora e realidade, denúncia e poesia — uma força que consome e revela, que denuncia a inoperância e a indiferença. A cada estrofe, o texto nos impele a refletir sobre nossa responsabilidade coletiva e a urgência de agir antes que o fogo nos consuma por completo.
ResponderExcluirCom amor,
Daniela Silva 🦋
Alma‑leveblog.blogspot.com — espero pela tua visita no meu blog
E "Por que nada se faz o ano inteiro antes que se faça este luzeiro?"...
ResponderExcluirÉ isso!
Há interesses em que arda. :(
Beijinhos.
Um manifesto. O fogo que arde, destrói, deixa bombeiros exaustos. Autoridades que não atacam o problema antes dele acontecer. E o fogo metafórico que nos queima a boca, a alma. Como disse certo poeta:
ResponderExcluir"Se minha casa pegasse fogo, eu salvaria o fogo".
abraços
Amei esse espaço, seguindo.
ResponderExcluirTexto apurado.
Beijo
Bea,
ExcluirAndo meio distraído, é verdade, mas eu a procurei nos blogs dos amigos e não a encontrei, salvo comentando como o fizeste aqui.
Fiquei gratificado com as tuas amáveis palavras. Espero que você volte outras vezes. Sinta-se em casa!
Beijo,
Que texto forte, dolorido e ao mesmo tempo poético!
ResponderExcluirSenti em cada palavra a força do manifesto, a urgência de um grito que não pode se calar diante do fogo que arde e consome.
É impossível não se comover com a intensidade da escrita de Olinda, que transforma dor em arte e denúncia em canto.
Do lado de cá, leio com o coração apertado, pensando no quanto as chamas não são apenas da terra que queima, mas também das ausências, da inoperância e da falta de cuidado.
Como se a cada labareda o mundo nos dissesse: “olhem para mim, cuidem de mim”.
Em palavras o que tantos sentem e não conseguem expressar.
O seu manifesto é necessário, é vivo, é sopro de consciência.
Que possamos ser mais água e menos descuido, mais mãos que apagam incêndios e menos olhos que apenas observam.
Um abraço cheio de carinho e admiração pelo poder da sua escrita.
Un hermoso texto y triste a la vez, el fuego avanza y no hacen mucho por detenerlo.
ResponderExcluirBesos
Erós, seu texto é uma joia incandescente — um manifesto que pulsa com força poética e crítica social. A escrita é visceral, cheia de imagens que queimam na mente: o “céu da boca” vibrando como canto, o fogo que arde e se espalha, os trilhos erguidos por gigantes da arte brasileira. Há uma musicalidade latente, uma cadência que mistura lirismo e denúncia com rara elegância.Maravilha! Beijos
ResponderExcluirMeu amigo Eros,
ResponderExcluirJá havia comentado este texto mas voltei.😊
Ao ler o texto, sinto o fogo queimando não só nas palavras, mas dentro da gente. Ele fala de uma chama que é ao mesmo tempo íntima e coletiva, que arde no céu da boca e se espalha pelo mundo, sem que ninguém pare para contê-la. É um fogo que revela a impotência, a inoperância, mas também a urgência de olhar e sentir antes que seja tarde.
Gullar e Villa-Lobos passeiam pelo texto como sombras de beleza e ordem em meio a confusão lembrando que a arte tem o poder de nos tocar mesmo quando tudo parece prestes a se consumir. Eros você não escreve sobre culpa, nem sobre imperfeição; escreve sobre a chama que insiste em existir, sobre o manifesto de um mundo que se apaga aos poucos porque ninguém se importa o suficiente para agir antes do desastre. É um texto que incomoda, que queima devagar e deixa um resíduo de inquietação, porque nos obriga a perceber o fogo dentro e fora da gente. Um aviso poético: olhar, sentir e, se possível, agir.
Abraço
Nanda 😘