segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O País arde!

           

Imagem Pixabay
                    

Da minha cumplicidade com o texto de Olinda Melo, publicado hoje no seu blog Xaile de Seda.


No céu da boca vibra como se fosse um canto. E se espalha. Nada além. Um decompor, digo. O fogo arde, ela o descreve com força. Ponto final. Do lado de cá, ainda que inacreditável, faz um friozinho para os padrões daqui, onde prosperam outras plagas e ervas daninhas aos borbotões. Outras espécies de fogo mesmo sem água vicejam por aqui, enquanto Ferreira Gullar passeia pelo meu diário de braços dados com Heitor Villa-Lobos. Soberbos. Nunca foram parceiros. Distantes estão. Solidários estariam com os amigos de lá. Estarão. Chamo Edu Lobo para esta conversa-passeio, maestro como tantos outros, do alto dos seus oitenta e poucos anos, a andar sobre os trilhos erguidos pela dupla Villa-Lobos Gullar. O fogo arde. Os baldes são poucos. O mote é trem. Ela não rebate, mas diz em letras garrafais: o mote é fogo, que nos mata aos pouquinhos, a cada ano. Nada sobre defeitos ou imperfeitos, e sim sobre inoperância, que reina absoluta, embora não paire no ar o absolutismo, só as chamas. Alhures. No céu da boca o fogo cúmplice. É um manifesto o que ela escreve. O fogo arde. Aos baldes. Um quê de água. A pergunta não se cala. Por que nada se faz o ano inteiro antes que se faça este luzeiro? Não há como esquivar-se, ele pensa, aprisionando-se ao fogo mais intenso no céu da boca. É um caos. A tonalidade incomoda. Suspiros. Distorções. Aliciados pelo fogo, exaustos, os bombeiros, que poderiam ser a solução, se extenuam e se apagam na refrega. Não conseguem dar conta do recado quando não apagam o fogo vindouro. O fogo habita nos indivíduos, nos animais, e a quantos importa? Importam os meios, mas não se importam os meios para debelar a conflagração. O fogo mata é o que nos diz no seu manifesto antes que se consolide uma resiliência que não seria o caminho do princípio, e sim um perigoso enlace com o fogo ao perder-se de si mesmo. 

José Carlos Sant Anna,

18/agosto/2025


8 comentários:

  1. Prometeu deu like nesse texto. Um deleite ler aqui.
    Boa semana, José.

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  2. Um excelente texto, gostei de ler.
    Enquanto o fogo que arde continua...
    Boa semana.
    Abraço.

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  3. Hermoso texto, y el fuego sigue arrasando todo a su paso.
    Lamentable
    Besos

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  4. Há uma tessitura rara nesse texto, Eros: ele não apenas dialoga com Olinda Melo, mas se enrosca em sua chama e a faz reverberar em outros tons. O fogo de que ela fala se espalha aqui em metáforas múltiplas: ora no céu da boca, íntimo e visceral; ora nas florestas e nos descasos que ardem do lado de fora. É manifesto e é canto. Gostei do modo como os nomes Gullar, Villa- Lobos, Edu Lobo atravessam a cena como se fossem companheiros convocados a esse cortejo de imagens. Não há cronologia nem fronteira: há uma espécie de partitura verbal, onde a música e a poesia se encontram para dar corpo ao protesto.
    O texto não é só comentário, mas criação paralela. Um corpo novo, tecido na cumplicidade. E talvez seja isso o mais belo: a leitura que se transforma em escrita, o fogo que não se extingue, mas passa de mão em mão, de voz em voz.

    Abraço,
    Fernanda!

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  5. Uma temática repetida a cada ano. Um flagelo sobre que todos falam e ninguém consegue debelar. Um estigma que as altas temperaturas não justificam.
    Um país pobre a tornar-se cada vez mais pobre.
    Uma vergonha trágica que parece que não envergonha todos.
    Para quando uma tomada de consiência profunda que reconcilie todos?
    Abraço de amizade.
    Juvenal Nunes

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  6. Ah, meu amigo José Carlos, a cumplicidade encontra neste seu texto uma das suas facetas mais solidárias e encantadoras. Nele entrecruza figuras de grande relevo como Villa-Lobos, Ferreira Gullar e Edu Lobo, integrando - os nestes nossos dias, neste vale de lágrimas. Senti que elas, as lágrimas, me traíam quando li as suas palavras, um refrigério para o meu coração. Neste tempo de fogo, a distância se encurta e encontra nesse lado do mar poesia que cura, que conforta, não só a mim, mas também àqueles que nestas horas aziagas procuram uma gota de água com que refrescar o rosto.
    Meu amigo, a minha admiração.
    Beijinhos grandes.
    Olinda

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  7. Olá, amigo José Carlos, nesta sua incendiária crônica,
    excelente crônica, você reúne dois grande nomes que
    não estão mais aqui, Ferreira Gullar e Villa-Lobos, duas reservas da nossa cultura, e depois para arredondar a crônica você introduz o nosso grande Edu Lobo, um dos baluartes da Bossa Nova.
    Gostei muito da crônica.
    Votos de uma ótima semana.
    Grande abraço, amigo!

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  8. Este post é um manifesto poético e urgente sobre os incêndios que devastam paisagens e corações. José Carlos Sant Anna, em diálogo com Olinda Melo, tece palavras que queimam com a mesma intensidade das chamas que descrevem. O fogo é metáfora e realidade, denúncia e poesia — uma força que consome e revela, que denuncia a inoperância e a indiferença. A cada estrofe, o texto nos impele a refletir sobre nossa responsabilidade coletiva e a urgência de agir antes que o fogo nos consuma por completo.

    Com amor,
    Daniela Silva 🦋
    Alma‑leveblog.blogspot.com — espero pela tua visita no meu blog

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O País arde!

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