sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Esperando um taxi

 

Imagem Pixabay

Ola!! 

Demasiado tiempo. ¿Cómo estás?

            .

Me perguntei ao receber seu bilhete:

quando a gente começa a amar?

Demasiado tempo

é preciso para sabê-lo.

E para sabê-lo,

é preciso ter amado pelo menos uma vez.

Raízes profundas não se soltam da terra facilmente

O filme vivido por nós não foi um embuste

mas permite alguma interpretação pelos atores.

Já que você veio, aceita um café?

Sempre gostei do seu jeito triunfante.

Me diga, então, como estão as meninas,

enquanto comemos uma fatia de bolo.

Ainda somos duas pessoas genuínas?

Aceita mais um café, coma um pedaço de pêssego

Volte outras vezes, se houver atalhos, aproveite-os.

 

                                                    José Carlos Sant Anna,

                                                                25/agosto/2025


sábado, 23 de agosto de 2025

Dos bilhetes umectantes

 

Museu de Arte Contemporânea de Niterói - Projeto Niemeyer - Imagem Pixabai 


Ah, Niterói! Nada do que é inquietação passa por este nome, por esta cidade, que fica entre uma ponte, a Rio-Niterói, e a cidade do Rio de Janeiro. Claro, qualquer brasileiro sabe disso: a ponte é um cartão postal. “É pra lá que eu vou e ficarei alguns dias, a esfriar a cabeça, a cuidar da casa da filha e, quem sabe, a minha estada perto da obra de arte de Niemeyer, (que museu está ali construído!), me ajudará a não esquecer as cores do dia, que já se confundem na minha cabeça; todo o mundo diz: cabeça quente é o diabo”, escreve a moça inquieta, triste, como se autointitula em seu rascunho, sabendo que Javier Milei não tomará conhecimento dele (do rascunho) ocupado com as finanças da Argentina; tampouco concederá asilo a um insano. Bastará ele, Milei, dirão os argentinos em uníssono.

E assim, desse modo prazenteiro, ela vai sugando como um bebê (com bilhetes quilométricos) o leite de quem não atravessou a ponte; às vezes, distende arco e flecha (ela perdeu o tacape, faz tempo) sabe lá Deus para quê. Ou Piraquê, original, como os biscoitos, é o que quer o ser. A originalidade. Ela sempre quer. E o outro não está nem aí; sempre à margem, olhando a paisagem.

Ela não cede. Ele é uma sebe. O que as palavras habituam o ser, como o saber? Nunca atravessou essa ponte o pestinha, o ranheta, (como ela o chama nos seus bilhetes), a que liga as duas cidades; ponte, ele atravessou vezes sem conta, só a de madeira quando morava nas palafitas, lá na cidade baixa, na sua terra Natal, a primeira Capital do país; ele era um equilibrista com a lata na cabeça sobre uma rodilha ao atravessá-la correndo sem derramar uma gota sequer da lata. Se houvesse lona como num circo, naquela ponte, que ligava o chafariz à sua casa, ele seria à luz do dia aplaudido todos os dias.

Apesar de ter a mãe no seu pé, em marcação cerrada, ele tinha pressa de encher a barrica para não perder o baba, (o corretor que nunca jogou bola teima em corrigir o artigo masculino para o feminino a dizer-me a baba), a pelada, como você queira chamar o futebol de várzea, (a depender do lugar em que você esteja no Brasil se chama esse futebol entre os garotos, não só entre os garotos, entre os adultos também, de uma ou de outra maneira, ou seja, há uma variação linguística, talvez existam outras que eu desconheço), quando o gol era paralelepípedos em lugar das traves.

"Ah, Niterói, como o Cristo Redentor lá no Corcovado, entreabra os braços para receber-me e ouça as palavras desse horizonte, quem sabe, ele não atravessa a ponte e quebra o silêncio que se impôs sem o remorso de uma despedida", escreve ela no seu rascunho antes de fechar as malas e pôr os chinelos. 

Ela não vai para ficar lá, mas se demora; é o que se deduz pelos chinelos.


José Carlos Sant Anna,

23 de agosto de 2025.


segunda-feira, 18 de agosto de 2025

O País arde!

           

Imagem Pixabay
                    

Da minha cumplicidade com o texto de Olinda Melo, publicado hoje no seu blog Xaile de Seda.


No céu da boca vibra como se fosse um canto. E se espalha. Nada além. Um decompor, digo. O fogo arde, ela o descreve com força. Ponto final. Do lado de cá, ainda que inacreditável, faz um friozinho para os padrões daqui, onde prosperam outras plagas e ervas daninhas aos borbotões. Outras espécies de fogo mesmo sem água vicejam por aqui, enquanto Ferreira Gullar passeia pelo meu diário de braços dados com Heitor Villa-Lobos. Soberbos. Nunca foram parceiros. Distantes estão. Solidários estariam com os amigos de lá. Estarão. Chamo Edu Lobo para esta conversa-passeio, maestro como tantos outros, do alto dos seus oitenta e poucos anos, a andar sobre os trilhos erguidos pela dupla Villa-Lobos Gullar. O fogo arde. Os baldes são poucos. O mote é trem. Ela não rebate, mas diz em letras garrafais: o mote é fogo, que nos mata aos pouquinhos, a cada ano. Nada sobre defeitos ou imperfeitos, e sim sobre inoperância, que reina absoluta, embora não paire no ar o absolutismo, só as chamas. Alhures. No céu da boca o fogo cúmplice. É um manifesto o que ela escreve. O fogo arde. Aos baldes. Um quê de água. A pergunta não se cala. Por que nada se faz o ano inteiro antes que se faça este luzeiro? Não há como esquivar-se, ele pensa, aprisionando-se ao fogo mais intenso no céu da boca. É um caos. A tonalidade incomoda. Suspiros. Distorções. Aliciados pelo fogo, exaustos, os bombeiros, que poderiam ser a solução, se extenuam e se apagam na refrega. Não conseguem dar conta do recado quando não apagam o fogo vindouro. O fogo habita nos indivíduos, nos animais, e a quantos importa? Importam os meios, mas não se importam os meios para debelar a conflagração. O fogo mata é o que nos diz no seu manifesto antes que se consolide uma resiliência que não seria o caminho do princípio, e sim um perigoso enlace com o fogo ao perder-se de si mesmo. 

José Carlos Sant Anna,

18/agosto/2025


sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Trenzinho Caipira


O que faz aquele guru? Sugere em seu vídeo que escrevamos um Diário, mostrando o quão é interessante tê-lo ou escrevê-lo dia após dia. Diz-nos em tom de galhofa que não é preciso ser um Diário de madrepérola ou rosa. E acrescenta: “o Diário pode ser digital, meu caro”.

Sugere, enfaticamente, que escolhamos um horário para escrevê-lo e mantenhamos esse duplo compromisso: o de escrevê-lo e o do horário; cumpri-los, eis a questão. E acrescenta: escrevam um Diário como o fez, por exemplo, Edmond Wilson. E ri sem bater as pálpebras.

Levo a sério e digo a mim mesmo: espero que ele cresça como as árvores da praça em frente à minha janela.

E logo inauguro Meu Diário, em pleno Dia dos Pais. Por certo, alguém da família, tipo, uma das minhas filhas, me perguntará: "meu pai pra que um Diário na sua idade?" Vou dar de ombros ao ouvir esta indagação. A verdade é que tenho alguns anos de vida, como revelam meus cabelos brancos, mas não perdi as contas. E asseguro: não me preocupa essa aritmética e por baixo deles (dos cabelos brancos) nada se esconde.

Uma vez decidido escrevê-lo, periodicamente, farei a leitura do Diário. Saberei os registros feitos nas monotonias das tardes ou na passagem das estações.

É pouco? Que o tempo seja meu cúmplice neste Diário.

 


Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar

Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra, vai pelo mar

Cantando pela serra, o luar
Correndo entre as estrelas, a voar
No ar
No ar

Lá vai o trem com o menino
Lá vai a vida a rodar
Lá vai ciranda e destino
Cidade e noite a girar

Lá vai o trem sem destino
Pro dia novo encontrar
Correndo vai pela terra
Vai pela serra, vai pelo mar

Cantando pela serra, o luar
Correndo entre as estrelas, a voar
No ar
No ar

No ar
No ar
No ar
No ar

Composição: Heitor Villa-Lobos / Ferreira Gullar.


quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Na praia do Forte

 

Imagem Pixabay

Se o teto está raso ou vazio

não há escrita possível,

e pouco importa a estridência

da buzina no caminho das árvores

ou que as águas já tenham passado

ou que os tons se desbotem

no sol incipiente deste inverno.

Pouco importa se a ficção é latente.

Tudo parado. Sinto o vento 

pela janela, enquanto a meia lua dança

nas curvas dos teus olhos quando

procuro, prisioneiro deles,

com calma, antes que

os meus mordam sua boca

sobre pedras e mar,

outros sabores.


                    José Carlos Sant Anna, 

                                     agosto 2025



Doralice

  "Doralice, eu bem que lhe disse amar é tolice, é bobagem, é ilusão..." Letra e música de Antônio Almeida  e Dorival Caymmi, 1947...