Museu de Arte Contemporânea de Niterói - Projeto Niemeyer - Imagem Pixabai
Ah, Niterói! Nada do que é
inquietação passa por este nome, por esta cidade, que fica entre uma ponte, a
Rio-Niterói, e a cidade do Rio de Janeiro. Claro, qualquer brasileiro sabe
disso: a ponte é um cartão postal. “É pra lá que eu vou e ficarei alguns dias, a
esfriar a cabeça, a cuidar da casa da filha e, quem sabe, a minha estada perto
da obra de arte de Niemeyer, (que museu está ali construído!), me ajudará a não esquecer as cores do dia,
que já se confundem na minha cabeça; todo o mundo diz: cabeça quente é o diabo”,
escreve a moça inquieta, triste, como se autointitula em seu rascunho, sabendo que
Javier Milei não tomará conhecimento dele (do rascunho) ocupado com as finanças da Argentina; tampouco concederá asilo a um insano. Bastará ele, Milei, dirão os argentinos em uníssono.
E assim, desse modo prazenteiro, ela vai sugando como um bebê (com
bilhetes quilométricos) o leite de quem não atravessou a ponte; às vezes,
distende arco e flecha (ela perdeu o tacape, faz tempo) sabe lá Deus para quê.
Ou Piraquê, original, como os biscoitos, é o que quer o ser. A originalidade. Ela
sempre quer. E o outro não está nem aí; sempre à margem, olhando a paisagem.
Ela não cede. Ele é uma sebe. O que
as palavras habituam o ser, como o saber? Nunca atravessou essa ponte o pestinha, o ranheta, (como
ela o chama nos seus bilhetes), a que liga as duas cidades; ponte, ele
atravessou vezes sem conta, só a de madeira quando morava nas palafitas, lá na
cidade baixa, na sua terra Natal, a primeira Capital do país; ele era um
equilibrista com a lata na cabeça sobre uma rodilha ao atravessá-la correndo sem derramar
uma gota sequer da lata. Se houvesse lona como num circo, naquela ponte, que ligava o chafariz à sua casa, ele seria à luz do dia aplaudido
todos os dias.
Apesar de ter a mãe no seu pé, em marcação cerrada, ele
tinha pressa de encher a barrica para não perder o baba, (o corretor que nunca
jogou bola teima em corrigir o artigo masculino para o feminino a dizer-me a
baba), a pelada, como você queira chamar o futebol de várzea, (a depender do lugar em que você esteja no Brasil se chama esse futebol entre os garotos, não só entre os garotos, entre os adultos também, de uma ou de outra maneira, ou seja, há uma variação linguística, talvez existam outras que eu desconheço), quando o gol era paralelepípedos em lugar das traves.
"Ah, Niterói, como o Cristo Redentor lá no Corcovado, entreabra os braços para receber-me e ouça
as palavras desse horizonte, quem sabe, ele não atravessa a ponte e quebra o
silêncio que se impôs sem o remorso de uma despedida", escreve ela no seu rascunho antes de fechar as malas e pôr os chinelos.
Ela não vai para ficar lá, mas se demora; é o que se deduz pelos chinelos.
José Carlos Sant Anna,
23 de agosto de 2025.