Atravesso a claridade úmida desta manhã de primavera. O rastro da chuva escorre pelos vidros das janelas. Eu me abalanço nos longes de mim e Bach me ouve enquanto as notas suaves de suas sonatas se propagam pela sala sem dobras na sua duração. Finjo e sonho. E relembro amores breves trazidos pela vida nas noites brancas como quem salva um afogado. Da minha biblioteca, o Misto-quente me convida para uma degustação em seu grafite urbano. É Bukowski, gentil, gourmet, como dizê-lo?, ainda sóbrio. Na tela do computador se lê um comentário pretensioso que me traz sentida ausência: “O papel do escritor é surpreender o leitor. Pela forma ou conteúdo. Quase sempre você consegue fazê-lo pelas duas. Seja pela força dos diálogos, seja pelo conteúdo, a provocar a estesia no leitor", enquanto alquimista, o vento brinca, rodopia, atropela, murmura, geme, assobia sem querer ir embora dos meus aposentos. Nunca saberei se um dia correremos juntos, eu e o vento, mas vou levando a vida pisando em folhas secas como Nelson Cavaquinho.