"Doralice, eu bem que lhe disse
amar é tolice, é bobagem, é ilusão..."
Letra e música de Antônio Almeida
e Dorival Caymmi, 1947.
Doralice contempla os morangos e os mirtilos sobre a mesa depois de bem lavados com detergente. Ela sabe como o fazer para deixá-los com brilho, como se tivessem sido encerados antes de expostos à mesa. Tão raro encontrá-los no mercado da praça central. “Como assim?” Pergunto em voz baixa para não incomodar o ritual da preparação do almoço. É lá que ela os compra para adoçar a boca, comendo-os de colher com leite como se ela fosse uma criança; alguém assopra essa novidade para mim como se abrisse um guarda-chuva dentro de casa. Do jeito que os comia, parecia que estava tendo um sonho erótico. Doralice gosta de ser criança e, também, dos sonhos eróticos que inundam seu corpo. Pequenas coisas para suportar o peso do mundo sobre seus ombros, diz a si mesma, ruborizando-se. E mastiga a letra da música que carrega seu nome, sem saber responder se amar é tolice, se é bobagem, se é ilusão. Doralice mantém o laço do pescoço ao João que levanta a voz à mesa, o que é raro. Duplamente, raro. Para um elogio, ao afirmar que o bacalhau à lagareiro estava excelente e, depois, voz levantada para reclamar a gargalhada à mesa, o que irrita Doralice. Ela exige muito dele? Ela tem a presunção de que ele não se sente velho demais para as demandas da amante fogosa que ela faz questão de não esconder. E isto se sustenta? Quanta tolice na pergunta. Não me ocorre nada que eu possa dizer no momento. Como? Doralice se estica toda, resignada, e se pergunta por que ela está unida a um homem que, só por acaso, se encontra à mão, perto de um tropeço? Cansada como Doralice se sente, ela não para de suspeitar da vida como se tudo em volta não passasse de uma plantação de hera, pois, como qualquer outra plantinha desta espécie no clima tropical, ela cresce rápido demais.
José Carlos Sant Anna,
21 de setembro de 2025
Boa noite de domingo, José Carlos!
ResponderExcluirUm post recheado com 'morangos do amor' que está na moda (ainda).
Particularmente, eles me apetecem como á protagonistas do seu conto. Eles não me remetem à infância, pois não tinha acesso à fruta deliciosa.
Frutas vermelhas vão além de serem tidas como afrodisíacas, são saudáveis. eu amo o paladar deles. Peguei uma boa safra no mês e, semanalmente, compro dos grandões.
A pergunta da Doralice está no coração de muitas mulheres no mundo... Há que se ter coragem para se libertar.
Tenha uma nova semana abençoada!
Abraços fraternos de paz