quarta-feira, 23 de abril de 2025

O auxiliar de mesa

 


Para início de conversa, o jovem aprendiz da cantina italiana tinha fairplay. Aliás, o mais adequado seria afirmar que ele tinha jogo de cintura, o que todo garçom precisa ter para desempenhar bem suas funções. Nesse caso, embora ele estivesse gatinhando no serviço, pelo andar da carruagem, se pressentia, o jovem parecia muito próximo de tornar-se um feiticeiro, ou seja, um descolado garçom, pois tinha humor, presença de espírito, finesse e energia para um aprendiz, mas um ajudante de mesa, o que ele era até então. 

Uma funcionária mais antiga acompanhava os passos do aprendiz à meia distância, orientando-o junto aos clientes, e ele, para  encarar aquele pequeno mundo da gastronomia, seguia sua intuição. 

Ao chegar perto da gente, solícito, ele perguntou: 

– Um filé à parmeggiana é pra esta mesa?” 

Meio irônico, perguntei-lhe se o filé estava pronto na cozinha esperando o nosso pedido, pois fora muito rápido o atendimento. 

Ele balançou a cabeça e anuiu, dizendo-me: 

– O restaurante está vazio, doutor; é Carnaval, o cliente aqui não fica esperando, o senhor conhece a Casa e sabe disso”. 

Ele não me pareceu contrafeito na resposta, embora não tivesse acrescentado outra palavra ao breve diálogo que tivemos. Sorrimos, satisfeitos. E ele ainda esperou um momento, caso houvesse algum ruído, não havendo, ele se retirou, solícito. E jantamos como se estivéssemos num mirante. Findo o jantar, aguardávamos a sobremesa. 

Teria sido premeditado? O aprendiz ia passando pela minha mesa já desnuda da louça do jantar, mas sua fiel escudeira fê-lo recuar dois passos para nos servir a sobremesa que repousava na bandeja.

Perguntei-lhe, então, se não tinha sentido o puxão do anzol, e ele, bem-humorado, disse: 

– Pela gola, doutor, sorte minha que o senhor não me apanhou pelo pescoço, pela jugular. 

Sorrimos todos novamente. Depois de um tour discreto pelo salão, ele voltou e, dessa vez, bem descontraído, antegozando suas palavras,  perguntou:

– Mais alguma coisa senhor pescador?


José Carlos Sant Anna,

4 de março de 2025.

7 comentários:

  1. Há pessoas que nascem com um "savoir-faire" inexplicável....Bem com ele próprio e fazendo com que os outros se sintam também...
    Beijos e abraços
    Marta

    ResponderExcluir
  2. Que delícia de cena, José Carlos. Tudo tão sutilmente construído, com leveza, ritmo e aquele humor que não força a graça — ela simplesmente brota.

    O auxiliar de mesa, aprendiz de garçom e quase feiticeiro, vai ganhando aos poucos o encantamento da profissão: escutar sem invadir, servir com elegância, improvisar com charme. Ele aprende, como se aprende o palco: no olho, no corpo, na resposta que vem depois do silêncio.

    E você, com seu jeito de “pescador” de almas e histórias, fisga o momento sem pressa, sem rede, só com a vara fina da observação e da palavra. Um jantar que vira crônica, e um auxiliar que vira personagem — talvez sem saber que já faz parte do cardápio mais memorável da noite.

    Bravo, doutor. Que venham mais pescarias assim.

    Abraços
    Daniel
    https://gagopoetico.blogspot.com/2025/04/entre-o-canto-e-calma.html

    ResponderExcluir
  3. Já sentia falta de ler teus contos. Sua escrita é irresistível e obrigatória.
    A cada observação um texto formidável, seja no restaurante ou numa pescaria: Sempre um prazer, José Carlos.
    Obrigada por voltar.

    ResponderExcluir
  4. Gosto dos empregados de mesa com sentido de humor.
    Esse que citou vai longe...
    Magnífica crónica, gostei de ler.
    Boa semana.
    Um abraço.

    ResponderExcluir
  5. Que bom ter voltado meu Amigo José Carlos. Tinha saudades de o ler.
    Tinha saudades dos seus comentários. Já tinha saudades da sua escrita sempre tão inspirada e inspiradora.
    Uma boa semana.
    Um beijo.

    ResponderExcluir
  6. Rapaz esperto e espirituoso!
    Com respostas na ponta da língua.
    Gostei muito do conto, Caro José Carlos.
    Abraço
    Olinda

    ResponderExcluir
  7. Amei a leitura. É bonito ver como uma situação tão simples se transforma em uma história envolvente, onde o respeito e o bom humor fazem toda a diferença. No fim, todos saem ganhando: quem serve, quem é servido e quem lê. Abraço!

    ResponderExcluir

No café

  Imagem Pixabay Finjo não ver o vento balançar nas rochas nuas, encasteladas, sobrepostas à delicadeza da tua taça de rubiácea. E se a...