Ainda exala um cheiro bem forte do corpo da taurina. E ele não perdeu o bonde, como se vê, por isso repete ansioso: houve, sim. Do verbo haver empregado com o sentido de existir. Sempre há qualquer coisa, em qualquer reino, Dinamarca ou não, verdade última, queira-se ou não. É o que todo mundo diz. E as coisas acontecem num piscar de olhos. E, ao abri-los, logo se descobre que o sol já recortou as nuvens, mas não é o ponto final da história. Houve, sim, qualquer coisa, sem adiar o dia. E ele se pergunta: o que teria havido para se ter tanta certeza de que verdadeiramente houve, embora não tenha virado manchete? Não, não foi um caso de amor riscado à canivete no tronco da goiabeira até porque, na idade desses pombos, tais arroubos ou arrulhos, ainda que intensos, seriam um destempero. O certo é que ele não saberia dizer o nome da coisa ou não quis dizê-lo mais ou menos com receio de estar cometendo um erro. É certo. Eles sabiam que havia um desejo de arder naquela cana entre um canino e outro depois da broca ter rasgado um molar para a entrada de uma coroa. Sim, houve um prenúncio, por assim dizer, um chamado, uma estreita possibilidade, pois havia um canal que os unia e os desvelava em tempos de alquimia. Houve, sim. É certo também, quase dez dias de hiato, que um pequeno jorro cuja saliva se mantém intacta, insolúvel, não era ficção porque o galo não parou de cantar nas madrugadas, o beijo chegou sem ser anunciado e o que parecia efêmero ficou parado no ar como um beija-flor. Como se sabe, o melhor encontro é sempre o penúltimo e, pela casa adentro, ele imagina que haja, entre interrogações, uma canção de espera nos lábios da taurina que vestia uma blusa lisa, saia estampada, máscara, touca, jaleco e uma natureza desarvorada no alçapão.
José Carlos Sant Anna,
16 abril de 2025.
Dizem que Eros não nasce da inteligência e nem da vontade. De passagem ou não. Ele impõe. E o poeta Sant Anna surpreende e volta em tons marsala e ágape com uma escrita pragmática, inebriante e belíssima ,ao seu estilo, de ousadia e luxo.
ResponderExcluirParabéns e Seja muito bem-vindo !
Hoje passando aqui
ResponderExcluirpara conhecer e me encantar
com aas publicações.
Vou ficar contente se receber
sua visita no
Espelhando.
Deixo aqui
Com Versos
Renascimento
Que todo dia seja dia de Renascer
Para florescer e perfumar para Depois
Deixar sementes para um Amanhã
Mesmo que não estejamos nele para a Colheita
Bjins
CatiahôAlc.
Um texto em que o verbo haver nos persegue na sua
ResponderExcluirexistência. E com Taurina no nosso encalce.
Mesmo sem se ver o nome do autor já se sabia de quem se trata.
Amanhã pode não ser outro dia, mas "Eros de Passagem"
deixa um rasto até Eugénio de Andrade. Isto promete.
Está perdoado, José. :)
Merece. Sempre.
Abraço
Olinda
Boa tarde meu saudoso Amigo Poeta !
ResponderExcluirSeja Bem-vindo.
Mesmo que não estivesse assinado, sabia quem era o Autor.
A sua escrita é muito peculiar, rica e cheia de contéudo.
Gostei muito!
Deixo um abraço bem apertado!
Semana boa com saúde lhe desejo.
:)
osé Carlos,
ResponderExcluiresse seu texto é um perfume raro: começa denso como o cheiro da taurina e vai se dissolvendo no ar com a leveza inquietante do que ficou por dizer.
Há um jogo elegante entre o que se insinua e o que se revela — uma coreografia entre o desejo, o receio e o quase-acontecimento. O verbo houve pulsa como batida de tambor distante, marcando a presença de algo que escapou à manchete, mas não à memória. E é nessa lacuna que mora a beleza do texto: tudo que não se nomeia, mas se sente — ali, entre a broca, o beijo, a blusa lisa e a saliva suspensa no tempo.
Você nos entrega uma crônica que parece sonhar — e a gente sonha junto, com olhos abertos, procurando o beija-flor parado no ar.
Que bom que houve. Mesmo que ninguém saiba exatamente o quê.
Abraços
Daniel
https://gagopoetico.blogspot.com/2025/04/bolero-para-dois-sendo-um-lua.html